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Em Maria, descobrimos que todos somos imaculados/as

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Pe. Adroaldo sj

“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! (Lc 1,28)

Celebramos neste domingo a festa de Maria Imaculada. O dogma da Imaculada Conceição foi proclamado pelo Papa Pio IX, na Bula “Ineffabilis Deus”, no dia 08 de dezembro de 1854. Nele se afirma que Maria, à diferença dos demais seres humanos, não se viu alcançada pelo “pecado original”, sendo “imaculada” (“sem mancha”) desde o momento de sua concepção.

Mas, falar de Maria como Imaculada tem um sentido muito mais profundo que a afirmação dogmática de “ser preservada da mancha original”. Falar da Imaculada é tomar consciência de que, em um ser humano (Maria), descobrimos algo, no mais profundo de seu ser, que foi sempre limpo, puro, sem mancha algu-ma, imaculado. O verdadeiramente importante é que, se esse núcleo imaculado está presente em um ser humano (Maria), então podemos ter a garantia de que está presente em todos os seres humanos.

O próprio S. Paulo afirma que “em Cristo Jesus, Deus nos elegeu, antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados, diante dele, no amor”. (Ef 1,4). Essa eleição é para todos, sem exceção. Não é uma possibilidade, mas a realidade que nos faz ser. Descobri-la e vivê-la, sim, depende de nós.

Essa dimensão de nosso ser que nada nem ninguém pode manchar, é nosso autêntico ser. É o tesouro escondido, a pérola preciosa.

Ao longo dos séculos, temos colocado sobre a figura de Maria uma infinidade de adornos que levaremos muito tempo para tirar e voltar à sua simplicidade e pureza originais. Maria não necessita adornos.

A festa de Maria Imaculada nos revela a presença do divino nela e em nós. Nela descobrimos as maravilhas de Deus. O núcleo íntimo de Maria é imaculado, incontaminado, porque é o que há de Deus nela. Maria é grande porque descobriu e viveu o divino que fez nela sua morada. Não são os mantos luxuosos e os adornos colocados sobre ela, através dos séculos, que a faz grande, mas o fato de ter descoberto seu ser fundado em Deus e ter expandido sua feminilidade a partir desta realidade.

O que devemos admirar em Maria é o fato de ter vivido essa realidade e ter deixado transparecer o divino através de todos os poros de seu ser humano. Ela deixa passar a luz que há em seu interior, sem diminui-la nem filtrá-la. Quando se diz que Maria é Imaculada, quer-se dizer que é no silêncio do corpo, no silêncio do coração, do silêncio do Espírito que o Verbo pode ser gerado.

Como foi possível que Maria alcançasse essa plenitude? Aqui está o verdadeiro sentido do dogma da Imaculada. Ela foi o que foi porque descobriu e viveu essa realidade de Deus nela. Tudo o que tem de exemplaridade para nós devemos a ela, não porque Deus lhe tenha cumulado de privilégios. Ela é referência inspiradora para todos nós porque podemos seguir sua trajetória e podemos descobrir e viver o que ela descobriu e viveu. Se continuamos considerando Maria como uma privilegiada, continuaremos pensando que ela foi o que foi graças a algo que nós não temos; portanto, toda tentativa de imitá-la seria em vão.

Dentro de cada um de nós, constituindo o núcleo de nosso ser, existe uma realidade transcendente, que não pode ser contaminada. O divino que há em nós, permanecerá sempre puro e limpo. Maria ativou esta dimensão de seu ser até empapar tudo o que ela era, “alma e corpo”. O que celebramos é sua plenitude de vida, aberta e expansiva, e não um privilégio que a livrou de uma “mancha”.

Podemos dizer que Maria é imaculada, porque viveu essa realidade de Deus nela. Ela é Imaculada para todos, por todos e em todos; em outras palavras, em Maria somos todos imaculados(as); somos imaculados(as) em nosso verdadeiro ser. O dogma da Imaculada Conceição fala de todos nós: isso é o que realmente somos. Em nossa verdadeira identidade, somos imaculados, limpos, inocentes…

Falamos demais sobre o “pecado original” e muito pouco sobre a “beatitude original”. Existe em nós uma realidade mais profunda que a nossa resistência, um sim mais profundo que todos os nossos “nãos”, uma inocência original que todos os nossos medos e feridas… É preciso encontrar a confiança original.

Maria é o estado de confiança original. Assim, os Antigos Padres da Igreja viam nela o modelo da beatitude original, a mulher da pura confiança, do sim original Àquele que É.

Maria é a nossa verdadeira natureza, é a nossa verdadeira inocência original, aberta à presença do divino.

A partir desta perspectiva, Maria nos está recordando que, graças a pessoas parecidas com ela, ou seja, pessoas que se esvaziaram de seu próprio “ego”, é que foram capazes de entrar em sintonia com a Vontade de Deus; é ali, somente ali, no espaço interior, livre de todo resquício de autocentramento, que Deus pode entrar, continua e continuará entrando em nosso mundo, para trazer sua Boa Nova, traduzida em tantas e tantas realidades concretas.

A afirmação de que ela tenha sido “concebida sem pecado original” corre o risco de situá-la muito distante de nós. Pelo contrário, se a veneramos e nela nos inspiramos para viver o seguimento do seu Filho Jesus é porque a encontramos muito próxima de nossa vida. A vida que temos vivido até agora e a que continuamos vivendo: cheia de luzes e sombras, de esperanças e de desencantos.

Maria é grande por sua simplicidade, porque aceita ser serva, em sintonia com Deus. Maria não é uma extra-terrestre, mas uma pessoa humana exatamente igual a cada um de nós. O extraordinário nela foi sua fidelidade e disponibilidade, sua capacidade de entrega. Toda a grandeza de Maria está contida em uma só palavra: “fiat”. Maria não pôs nenhum obstáculo para que o divino que havia nela se expandisse totalmente; por isso, chegou à plenitude do humano. Devemos nos alegrar que um ser humano possa nos ensinar o caminho da plenitude, do divino.

Nesse sentido, Maria é a referência para todos nós porque a vemos como a pessoa que foi crescendo dia-a-dia, sempre aberta ao projeto de Deus. Esvaziando-se de si mesma, renunciando à sua vontade, para que Deus, o Todo-poderoso, como ela mesma cantará no Magnificat, entrasse em nossa história, encarnado na pessoa de Jesus. Um Deus “todo-Poderoso” que não usou seu poder para atuar de maneira impositiva, mas, em Maria “realizou maravilhas” para que, através dela, seu amor e sua misericórdia se fizessem visíveis a toda a humanidade. “Seu amor se estende de geração em geração…”, proclamará também no Magnificat.

Inspirados em Maria, é preciso encontrar, em nós mesmos, este lugar por onde entra a vida, este lugar por onde entra o divino, este lugar por onde entra o amor. É uma experiência de silêncio, uma experiência de vazio, alguma coisa de mais profundo do que aquilo que se chama o “pecado original”.

É assim que se fala de Imaculada conceição. O Verbo é concebido no que há de mais imaculado em nós, no que há de mais completamente silencioso. Isto supõe que haja no corpo humano um lugar onde não existe memória doentia nem a presença do “ego cheio de si”, mas do eu esvaziado, de onde nasce a vida.

É preciso entrar num estado de silêncio, de vazio de si mesmo, de total receptividade, para que o Verbo possa ser gerado em nós. “Assim novamente encarnado”, nos diz S. Inácio de Loyola.

Texto bíblicoLc 1,26-38

Na oração: No relato da Anunciação, descreve-se um itinerário de iniciação espiritual. É preciso, antes de mais nada, entrar neste estado de escuta, neste estado de confiança, neste sim, pacificar nossas memórias e, então, não ter medo da visita do anjo e da alegria que ele pode trazer.

Mas também não ter medo da perturbação que pode surgir. Tal perturbação é que nos faz descer ao chão de nossa vida, vai nos conduzir até a sombra, até o mais profundo de nosso eu interior, até a profundeza da nossa humanidade. E é ali que que vai brotar o nosso “sim” original; é ali que vai nascer o divino que nos conduzirá à plenitude de vida.

Fazer memória das experiências de “anunciação” em sua vida: o que mudou? quê movimentos vitais surgiram?


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